O EVANGELHO PROFANADO - Parte 1

 Marcos Alexandre Damazio

 O JEJUM 


“Vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus.”  João 16:2 

Paulo fala de outro evangelho, um falso evangelho. Mas, Jesus diz que muitos profanariam o verdadeiro evangelho pensando estar prestando um culto a Deus. 

Quando lemos este texto, torna-se impossível não nos lembrarmos da inquisição, onde os cristãos eram jogados aos leões ou nas fogueiras por gozarem da liberdade para a qual Cristo nos libertou.

Foi para a liberdade que Cristo nos libertou, então devemos viver esta liberdade, e não nos colocar debaixo do jugo da servidão (Gálatas 5:1). Por que o jugo da religião é pesado, mas o jugo de Cristo é suave (Mateus 11:30).

O amor ao próximo é algo tão sério, que se essa liberdade para a qual Cristo nos libertou escandalizar o seu irmão que vive debaixo do jugo da religião, então devemos abrir mão desta liberdade e nos enclausurar por amor ao próximo (1ª Coríntios 8:11-13). 

Pessoas que trocam a liberdade para a qual Cristo nos libertou pelo jugo da servidão são aqueles que estão sendo destruídos por falta de conhecimento da Graça de Deus (Oséias 4:6). São aqueles que dizem que Jesus salva, mas não sabem de que Jesus salva. São os que servem à religião. 

A seguir começaremos a ver como uma profanação do Evangelho do Reino passa a ser aceita pela religião como um culto a Deus. 

O JEJUM  
“Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos.” Oséias 6:6 

O jejum é uma prática sacrificial de abster-se de alimentos e dedicar-se à oração por algum período por motivos de tristeza, perigo da pátria ou um sacrifício para alcançar alguma bênção da parte de Deus. 

Jesus, que era judeu (João 4:9), e veio para cumprir a lei judaica (Mateus 5:17), jejuou por 40 dias (Mateus 4;2), e ensinou aos judeus a jejuar sem parecerem tristes, porque os fariseus assim procediam para se mostrarem mais santos do que os seus próximos (Mateus 6:16-18). 

Como o jejum é uma prática religiosa e sacrificial ele não pode ter lugar na nova aliança garantida pelo sangue imaculado do Filho de Deus (Hebreus 8:13). 

Alguns tentam relacionar a eficiência do jejum no combate aos demônios com a tentação sofrida por Cristo no deserto. Já ouvi de muitos pregadores que Jesus foi para o deserto para se preparar para enfrentar o Diabo. Ele teria de jejuar quarenta dias para estar suficientemente forte para enfrentar o tentador. Jesus não foi para o deserto para jejuar coisa nenhuma. O texto diz que Ele foi levado para o deserto para ser tentado (Mateus 4:1). E sabe por que Ele teve de jejuar? Não era pra ficar mais forte, e sim, pra ficar mais fraco. Isso mesmo. O texto não diz que depois de jejuar por quarenta dias Jesus ficou mais forte espiritualmente. Em vez disso, diz que “depois de jejuar por quarenta dias e quarenta noites, teve fome”. Fome é sinal de fraqueza, e não de força. E sabe por que Ele tinha de ficar fraco e com fome? Para que a tentação do Diabo fosse legítima. Se Ele não estivesse com fome, de nada adiantaria Satanás Lhe sugerir que transformasse as pedras em pães. O que nos capacita a enfrentar as tentações e os laços do Diabo não é estarmos de estômago vazio, e sim, estarmos com o coração cheio, fortalecido na graça e no conhecimento da Palavra de Cristo (Hebreus 13:9; Colossenses 3:16).

“E por isso é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna. Porque onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do testador. Porque um testamento tem força onde houve morte; ou terá ele algum valor enquanto o testador vive?” (Hebreus 9:15-18) 

Neste texto ficamos sabendo que Cristo é o Mediador de um NOVO TESTAMENTO. Então, se somos filhos de Deus e temos a mente de Cristo, então sabemos que um testamento somente passa a vigorar com a morte do testador. Assim, o Novo Testamento, a Nova Aliança da Graça, entrou em vigor com a morte de Cristo. 

Com isso eu quero dizer que das narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João, fazem parte do Novo Testamento apenas os fatos que ocorreram após a morte de Jesus.

“Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados.” (Mateus 26:28) 

Jesus evidencia que o Novo Testamento é iniciado com o seu sangue. 

Deixo claro que muitas pessoas no mundo inteiro não jejuam, por entenderem que Jesus está com elas, e que o jejum não é ensinado no Novo Testamento. Eu vou além, e digo que não é nem mesmo praticado pelos apóstolos.

“Ora, os discípulos de João e os fariseus jejuavam; e foram e disseram-lhe: Por que jejuam os discípulos de João e os dos fariseus, e não jejuam os teus discípulos? 
E Jesus disse-lhes: Podem porventura os filhos das bodas jejuar enquanto está com eles o esposo? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar; 
Mas dias virão em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão naqueles dias. 
Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha; doutra sorte o mesmo remendo novo rompe o velho, e a rotura fica maior. 
E ninguém deita vinho novo em odres velhos; doutra sorte, o vinho novo rompe os odres e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; o vinho novo deve ser deitado em odres novos.” Marcos 2:18-22 

Se o jejum era tão importante assim, a ponto de ser imprescindível, então, por que os discípulos de Jesus não jejuavam? Nesta passagem, Jesus deixa bem claro que o jejum está relacionado ao luto, à tristeza. Não havia motivo algum para que os discípulos estivessem tristes. Afinal, o Noivo estava com eles. 

Os religiosos jejuavam, mas os discípulos de Jesus não jejuavam porque Jesus estava com eles. Mas quando esteve morto por 3 dias, Jesus foi ao inferno pregar aos espíritos presos (1ª Pedro 3:19), e foi ao santuário celestial oferecer o ÚNICO sacrifício perfeito a Deus, isto é, o seu sangue puro (Hebreus 9:12). 

Apenas nestes 3 dias de morte, e também depois da ressurreição eles ficaram tristes porque Cristo não estava mais com eles (Lucas 24:17-21). Por um total de 40 dias Jesus os visitava, mas não estava com eles permanentemente como antes da sua morte, durante o seu ministério terreno (Atos 1:3).

“E eis que eu ESTOU convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.” Mateus 28:20 

Jesus, antes de sua ascensão, disse suas últimas palavras aos discípulos: “Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém”. 

Observem que Ele não disse estarei, mas disse: “ESTOU”. 

Se cremos nestas palavras, então porque jejuamos se Jesus disse que os seus discípulos não podem jejuar enquanto Jesus estiver conosco? (Marcos 2:19). 

Muitos alegam que os discípulos não jejuavam porque Jesus estava presente fisicamente com eles. Mas, depois de ascender aos Céus Jesus está presente espiritualmente, e por isso devemos jejuar. 

Pelo contrário, Ele está mais presente em nós, do que estava com os discípulos. Para eles, Jesus era Emanuel, isto é, “Deus conosco”; agora Ele não mais está conosco, isto é, ao nosso lado. Agora, Ele está em nós. Se isso não é verdade, então Ele não cumpriu Sua promessa, e deixou-nos órfãos (João 14:17-18; Mateus 28:20; Colossenses 1:27). Nas palavras do próprio Cristo, somos mais bem-aventurados do que aqueles que conviveram com Ele nos dias da Sua carne (João 20:29; 2ª Coríntios 5:16). 

Jesus é o mesmo ontem, hoje e eternamente. Deus não muda (Hebreus 13:8). 

Bem, o Jesus que esteve presente fisicamente estava esvaziado de sua glória e de muitos de seus atributos (Filipenses 2:7). 

Já o Jesus, a quem Paulo se refere como o ressuscitado (2ª Coríntios 5:16), é o mesmo que reassumiu toda a sua glória e todo o poder lhe foi dado nos Céus e na Terra (Mateus 28:18). 

Se pudéssemos comparar a presença física do Deus esvaziado com a presença espiritual do Deus Todo-Poderoso, eu diria que se com a presença do Esvaziado eles  não jejuavam, imaginem com a presença do Todo-Poderoso. 

“O bem-aventurado, e único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores; 
Aquele que tem, ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu nem pode ver, ao qual seja honra e poder sempiterno. Amém.”  Timóteo 6:15-16 

Este Jesus está conosco todos os dias, e, por isso, não podemos jejuar. 

Quanto ao vinho e ao odre, Jesus estava respondendo a indagação dos discípulos de João Batista. O vinho novo significa o Evangelho da Graça, o Novo Testamento. Enquanto que os odres velhos apontam para o sistema judaico com os seus ritos religiosos, dentre os quais estava o jejum, ou seja, o Antigo Testamento. Tentar adaptar a mensagem pura do Evangelho com os hábitos religiosos dos judeus equivaleria a costurar remendo novo em vestido velho. 

Durante os primeiros anos da Igreja, os apóstolos viviam como os judeus. Mantinham a mesma dieta alimentar, praticavam a circuncisão, faziam votos judaicos, e até frequentavam o Templo e as sinagogas (Atos 10:14; 13:15; 14:23; 15:1,5; 16:3; 21:21-26). Aquele era um momento de transição. Não foi em vão que Paulo afirmou que, quando menino, fazia as coisas de menino, mas ao chegar à maturidade, abandonou de vez as coisas de menino. O livro de Atos não pode ser tomado como um livro normativo para a Igreja. Trata-se do relato histórico honesto dos primeiros anos da Igreja.

Podemos perceber claramente nos Atos dos Apóstolos, como a igreja em seus primórdios insistiu em derramar o vinho novo do Evangelho nos odres velhos do sistema religioso da lei judaica. Não poderia ter outra consequência senão a que Jesus advertiu que haveria: Os odres se romperam, como podemos conferir no relato do último encontro entre Paulo e os judeus, registrado em Atos 28:23-31. 
Os apóstolos ainda jejuaram em Atos, porque ainda não haviam se desligado totalmente do judaísmo. Mas, depois do concílio de Jerusalém (Atos 15), isso não aconteceu novamente. 

Lembro novamente que o livro de Atos não é um livro doutrinário, mas sim um livro histórico. E, nessa transição da Lei para a Graça, os apóstolos ainda mantiveram alguns costumes da Lei por algum tempo. Eles jejuavam (Atos 13:3), eles iam ao templo (Atos 3:1), eles faziam votos e raspavam a cabeça (Atos 18:18).  

Contudo, o Evangelho da Incircuncisão não aceita nada da Lei (Gálatas 5:4), e estas coisas não são praticadas ou ensinadas nas epístolas do Novo Testamento. Paulo chama os rudimentos do Antigo Testamento de fracos e pobres (Gálatas 4:9). 

Os apóstolos jamais recomendaram o jejum em parte alguma do Novo Testamento, e nem praticaram ou ensinaram algo acerca de jejum. 

Jesus antes da cruz, diante de um público formado exclusivamente de judeus, falou acerca do jejum, porque tal prática já era comum aos religiosos da época. Ele não disse: “Jejuai!” E sim: “Quando jejuardes...”

“Respondeu-lhes: Esta casta só pode sair por meio de oração [e jejum]” Marcos 9:29 

Estes colchetes não foram colocados por mim. Qualquer Bíblia revisada e corrigida traz estes colchetes na expressão “e jejum”. E sabem por quê? Porque tal expressão não consta dos melhores manuscritos. Os textos mais antigos já encontrados do Evangelho de Marcos não trazem a palavra “jejum” neste versículo. O que comprova que provavelmente Jesus não tenha falado isso. Trata-se, possivelmente, de um acréscimo feito entre o segundo e o quarto século, visando respaldar algumas práticas da igreja daquele tempo. Ademais, que diferença faria para algum demônio se estivéssemos de barriga cheia ou vazia. Se admitirmos que Jesus disse que há casta de demônios que só sai a poder de jejum, estaremos dizendo que há casos em que o Nome de Jesus não funciona.

E se de fato Jesus houvesse falado isso, temos que nos lembrar que isso teria sido antes da Cruz, e que, portanto, os principados e potestades ainda não haviam sido despojados (Colossenses 2:15).

Mesmo assim, tenho dificuldade em relacionar a expulsão de demônios com o fato de estarmos ou não em jejum. O Nome de Jesus, nosso Imperador, é suficientemente poderoso para expulsar qualquer casta, e não precisa de qualquer tipo de acessório para tornar-se mais eficiente. Não aceitar tal fato é desprezar e subestimar o poder de nosso Rei, e a autoridade do Seu Nome. 

Portanto, antes que alguém diga que há demônios que só saem com jejum, saiba que a palavra jejum, nestes textos bíblicos, foi introduzida indevidamente por copistas religiosos. 

De qualquer maneira, ninguém tem o direito de julgar o outro pelo fato de jejuar ou não.

Devemos dar ouvidos à recomendação das Escrituras: “O que come não despreze o que não come, e o que não come não julgue o que come, pois Deus o recebeu por seu. E quem come, para o Senhor come, pois dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come, e dá graças a Deus. Se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não faças perecer por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu” (Romanos 14:3,6b,15).

Eu iniciei este artigo dizendo que o amor ao próximo é algo tão sério que suplanta o jejum e até mesmo a liberdade que temos em Cristo Jesus, nosso Senhor. 

O jejum somente se torna uma profanação do Evangelho da Graça quando é feito como um poder para mortificar a carne, ou um poder que santifica, ou uma moeda de barganha com Deus, ou um amuleto, ou mesmo uma arma auxiliar de combate ao inimigo. Para tudo isso, basta o precioso Nome de Jesus. 

Fora das motivações acima, o jejum é apenas uma dieta. 


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